2006-06-12

arquetipologia da arte de ser português


EMITTE LVCEM TVAM ET VERITATEM TVAM
Inscrição barroca


Esta análise à alma do lusitano é apenas um contributo para tentar perceber os meandros que cercam de nevoeiro, ou de aura, segundo a perspectiva, a nação lusitana e as idades que ela atravessa ao longo da espiral histórica e mítica, passado e futuro, ou talvez «aqui e agora», na hora de uma nova demanda a caminho das terras lendárias de que fala Homero ou que narram os antigos escritos que vieram do Oriente...

Existem outras abordagens, que se recomenda aprofundar, que mexem com o 5 do pensamento (extremo-)oriental e, portanto, podem constituir outro paradigma, na senda de Lao-Tsé a Michio Kushi ou de Vivekananda a Gandi; quem quiser aprofundar etnocentricamente a raça branca tem forçosamente de ir ao judeu Freud e aos seus discípulos rebeldes, de Adler a Reich e ao jovem Jung. A sua influência é demasiado evidente no mundo positivista e racionalista moderno – dos filósofos franceses da falsa luz aos economistas do commonwealth anglo-saxão e aos especuladores da razão germânicos. Há quem prefira estudar antes a perspectiva do septanário e ver aí um bicho de sete cabeças, a pintar o caneco... Enfim, também não seguiremos aqui o fio do pensamento pessoano quanto à tipologia da arte de ser português, lusitano, lusíada ou luso…

In principio erat…

Yin e yang, o par que provém do Tao inominável (e inefável), abscôndito na sua quinta-essência. Homem e mulher os criou, os filhos da santíssima trindade da ideologia que nega a religação ao princípio único (absolum), onde Aristóteles um dia montou o seu motor quântico, catalizador de um pensamento mais antigo (vindo do Oriente) que remontava a Pitágoras e aos mistérios mistagógicos do divino Hipócrates, o pai renegado do paradigma científico ocidental. A praxis é teoria e experiência!

Se bem que aos filósofos pré-socráticos fossem revelados os elementos futuros do cerne focal das duas civilizações, foi Hipócrates, primeiro, e Galeno, depois, que os relacionaram com os humores e os temperamentos dos simples mortais consagrados a um estilo de vida, de saber e acção, que os deve manter puros e sagrados.

Tentar definir pessoas, grupos e/ou (inter-)relações é trabalho normativo das ciências sociais; aqui apenas se mostram modelos decalcados de um saber fragmentado (deste vosso humilde servidor) em que toma por ponto de partida o paradigma ocidental da quadripartição dos elementos ou princípios da ciência sagrada.

Numa interpretação analítica dos arquétipos elementares, as pessoas, indivíduos, sujeitos, objectos, cidadãos, etc., etc., possuem um grupo sanguíneo, a assinatura material da sua raça, digamos: pois não se dividem as etnias, pelo menos no Ocidente - reminiscência das quatro castas -, em raças vermelha, amarela, negra e branca? (O estudo da quinta raça leva-nos ao incentivo do início: o estudo do sufismo e da cabala hermética). Sem entrar em questões puramente fisiológicas, quatro serão também, contra poeta, os tipos de português que, consoante o grupo sanguíneo, tem propensão para um temperamento atrabiliar, fleumático, sanguíneo, e/ou colérico. Se entrássemos no labirinto da análise junguiana, encontraríamos a bússola da psique que reflecte, intui, sente (sentimento) e percepciona (sensação).

Os elementos da análise

A começar temos o elemento terra, a grande mãe e a matéria prima para a realização da obra, de alquimistas a místicos. Não nos estenderemos sobre os mistérios da deusa de Gimbutas e da sua história para, antes, nos determos na nossa concepção da divindade original – da serpente à Imaculada. Este mito lusitano é um dos selos que teremos que abrir para penetrar o livro aberto que é a epopeia – de Homero a Camões.

A lei das correspondências, das assinaturas de Paracelso (ainda recentemente presente na filosofia da medicina ocidental) diz-nos que o elemento terra, «forma», é o modelo de um temperamento possivelmente associado ao tipo de sangue mais antigo, o O (seria curioso fazer um estudo sobre a interpretação cabalística desta letra e a nossa peculiar Senhora do Leite, etc.), predisposto à digestão de matéria animal devido à capacidade do sistema secretor dos humores de Hipócrates.

Atégina é cultuada em várias partes do território, associada por vezes a sacrifícios, ao mistério ctónico dos abissos, mas também à conservação da saúde (medicina hipocrática), renascida e convertida mais tarde na imagem que actualmente se tem da Virgem. Por isso hoje a padroeira é a que concebe, no negro do útero, a luz dos seus olhos. Talvez reminiscências desse culto, não sei, o temperamento deste português – frio e seco, melancólico, esse que perde o familiar na carreira das Índias ou de outra hybris qualquer –, tal como Lucas, veste de preto o corvo vicentino –; como signo está ligado ao touro de Mitra e à Primavera que desponta, tal como do ventre de Atégina, os frutos a colher no jardim do Ocidente, esse império guardado pelo dragão do Graal... touro enfurecido que deu brado da Grécia ao extremo Ocidente.

Este tipo manifesta-se socialmente na correspondência de tendências para a prática de uma ou outra profissão como coleccionismo, comércio, jardinagem, agricultura (o chamamento da terra!), etc. A figura representativa seria Viriato, o pastor.

O segundo elemento que vamos analisar é a água; escorregadia e sinuosa, por excelência, como o foram as naus nas demandas de outras imaginações, a água é o símbolo do sacramento que Cronos estampou no promontório sagrado da nossa memória. Este tipo de português tem como tónica um temperamento húmido e frio, fleumático, mas com a visão joanina da águia que fita o Sol. Dado à navegação, foi ele que cruzou o oceano, contra ventos e marés, o moralista das missões por terras distantes, o padre que catequiza as «almas» e o artista da arte de marear.

A água é o elemento da vida, o mercúrio filosófico, da concepção ao mar tenebroso da consciência; sonhador por excelência, o nauta atravessa o vasto oceano do seu inconsciente à procura do cálice sagrado do Anjo, de Ulisses a D. Henrique, e os campos verdes da esperança de alcançar porto seguro, guiado por Vénus. Está relacionado com o tipo B. O seu espírito é representado por todos os grandes navegadores.

A seguir temos o ar, elemento volátil e inconstante; de temperamento sanguíneo (e/ou nervoso), este tipo de português, «quente e húmido», demandou os ares, qual Ícaro, na passarola de Gusmão ou na travessia do Atlântico. É o poeta, especulador da mente ancestral, o romancista da alma do povo, sábio e filósofo, na demanda da pedra dos sábios, revestido pelo seu manto azul dos selos joaninos e guardado pela águia de Júpiter. Está relacionado com o tipo sanguíneo A, o vegetariano nato. De entre os mais notáveis portugueses cujo signo pertence a este elemento, temos Pe. António Vieira, Camões e Gago Coutinho (Aquário); Fernando Pessoa (Gémeos); D. Dinis (Balança).

Finalmente o fogo, seco e quente, infunde o temperamento colérico de Marte e do leão de S. Marcos. É o guerreiro por excelência, do chefe Viriato ao condestável Nuno de Santa Maria, portador das lanças de ferro vermelho que afastam o estrangeiro do caminho da nossa independência. Irritável e fogoso, este tipo de português é o que incendeia a fogueira com que o metalúrgico-alquimista tempera os metais, de onde se vai extrair o ouro alquímico da união do quid nacional. Está relacionado com o tipo AB, o mais recente na história filogenética da humanidade. A sua figura representativa é D. Afonso Henriques e todos os valorosos guerreiros que empunham a espada flamejante...

O quaternário elementar

O ser humano não é apenas o enigma de Édipo (como demonstrou Malinowski com o mito ultramarino), mas também o animal das quatro patas aladas de Mercúrio, o protector dos Montes Hermínios – de Viriato ao Quinto Império –, a essência da personalidade e substância do eu (que é razão para os positivistas de todas as ideologias), da imaginação de Pessoa, do organismo físico (mecânico), da consciência responsável da águia dos montes da energia volitiva e do fluido vital que permeia a realidade – seja ela social, económica, política ou outra tipologia qualquer. Mercúrio é o mensageiro dos deuses, como o é o poeta-profeta, o que estabelece a ligação entre o negócio do século modernista do construtivismo social institucionalista da ideologia e a palavra perdida da inquietação dos valores normativos de uma anarquia à escala planetária…

A severidade do tempo dos corvos de Saturno, a calma parnasiana do senhor da águia, o onirismo aquático das radiações lunares dos banhos de Diana, a majestade do rei-Sol do Egipto no mito europeu, o vigor dos heróis, santos e poetas da terra de Hércules e a lassidão venusina do clima soprado pelos zéfiros de Europa ou do taurus encerrado em Minos e no inconsciente colectivo dos herdeiros do labirinto das lendas da Pérsia e do chá dos mestres zen, são sincronizados pelo arauto da mensagem e postos em movimento pelas profecias de Bandarra e pela oratória do diplomata da gaia ciência. A nossa história está escrita num livro que há-de vir de um futuro mítico – como foi a fundação da nossa hybris, que, apesar de flutuante, continua a seguir a rota traçada pela roda da boa ou má fortuna do tempo e dos tempos de Cronos. A ideia de fado é isso: uma face do monstro… A saudade é uma releitura do mito da moira grega pela percepção de um português, que intui Pascoaes, que se lança na procura da arte de ser ele mesmo.

Portugal é a confluência dos eixos civilizacionais e societais: Oriente/Ocidente e Norte/Sul, ainda que com um longo caminho a percorrer no campo da arte de governar (a tal cibernética da utopia…), na pedagogia da educação dos vindouros, bem como na retificação da política do desenrasca, ensino que pode ser ministrado a partir da cátedra-curul do talent de bien faire dos mestres do Templo, os dados estão lançados e a mensagem dos Montes Hermínios é clara: sem os escrúpulos do senhor da águia, a tudo se dedica superficialmente, pois a sua missão é circular e pacificar os modos do sisudo corvino, trazer a palavra à ordem do dia, serpenteante; e se, muitas vezes o discurso é engenhoso, a muitos falta a inventiva dos argonautas de outras lendas… Assim, a filosofia é prática, como a mística de outra qualquer contemplação, uma espécie de cabala que só alguns compreendem e que as elites julgam ter acesso…

Dividindo fisicamente o país, o ser português encontra-se presente nas terras ateginienses de além Tejo, que trouxe o corvo de Cronos e a tradição de Tubal para a cidade da luz; no centro do labirinto, alumiado pela coroa do santo Espírito, e profetizado pela águia que descobriu Teseu e o divino prior da columbina; na zona dos Montes Hermínios, onde o leão mostrou a raça de um povo que queria fora do seu jardim o intruso que vinha roubar o velo do mito encoberto pelo dragão… O português, esse espírito guardado, ab initio, pelo arcanjo – da Atlântida ao Quinto Império –, tem na nação lusíada o reflexo da história sagrada da humanidade, dividida por mitos e lendas, mas una na sua essência.

O quatro pitagórico e a caababel

O quatro é o paradigma ocidental para a matéria, manifestada através dos elementos (terra, água, ar e fogo) e das suas qualidades (frio, húmido, seco, quente), da qual se irá extrair a quinta-essência, a pedra filosofal. Elementos filosóficos, e não corpos (nem simples nem compostos), «mas tendências polarizantes, que dão origem às qualidades elementares».

Quatro são as estações, com suas fases lunares, e os pontos (e signos) cardeais, quatro temperamentos, qualidades, 4 animais de Ezequiel (águia, leão, touro, anjo) e o tetramorfo da esfinge do Egipto, como quatro é a reminiscência nos naipes das cartas de jogar modernas dos arcanos menores do tarô e o símbolo das etapas essenciais da realização humana; 4 é a palavra sagrada da cabala judaica, o nome secreto de Deus, inscrito no tetragrama.

Os hermetistas da Idade Média, como lembra Oswald Wirth (Le Tarot des Imagiers du Moyen Âge), representavam como figuras geradoras (de todas as outras) o círculo, o triângulo, o quadrado (estas três, fechadas, correspondiam a determinadas entidades, substâncias) e a cruz (transformadora de estado). Segundo os estudiosos (Barbara G. Walker, The Woman’s Dictionary Symbols and Sacred Objects), o símbolo de Hermes (Tote, Mercúrio, Hermes Trimegisto) era originalmente uma cruz, o número 4 sagrado do quádruplo deus, sendo a cruz cristã uma adaptação a partir daí, de Viriato a D. Henrique e de Cronos ao Quinto Império. Haveria ainda a fazer uma analogia com a suástica romana, o quadrifólio medieval, etc., mas isso distanciar-nos-ia do nosso propósito.

Quatro sentidos da escritura da teoria talmúdica: o sentido óbvio, a alusão, o sentido alegórico e o sentido místico da procura da essência através da leitura (da Tora) e de toda a hermenêutica da escrita sagrada. Quatro são também as verdades, nobres (do óctuplo caminho) do budismo, resumidas na técnica das quatro agulhas da terapêutica milenar chinesa, assim como ao nível da inteligência operativa são quatro as operações lógicas, do ábaco ao microprocessador.

S. Franclim, no seguimento da leitura de António Telmo sobre os ciclos da história secreta de Portugal, alude aos 4 Ciclos (dos Reis, dos Sacerdotes, do Povo, da Plebe [Massas]) anteriores ao surgimento do V Império. Os 4 temperamentos de Galeno, manifestação a nível psicofisiológico dos humores hipocráticos, vão originar os sete carateres planetários e os doze tipos de comportamento zodiacais (que não abordaremos aqui, assim como não analisaremos as nobres verdades do caminho a meio do sofrimento, cuja via pode levar à iluminação; nem tão-pouco falaremos dos filósofos que postularam uma ruptura epistemológica com a concepção de um quinto elemento, o éter, presente na tradição indiana, e talvez reminiscência de um saber que se perdeu com o nascimento da filosofia especulativa ocidental de Tales, no séc. VI a.C.).

Segundo a tradição astrológica as influências planetárias determinam as atitudes profissionais, que têm a sua aplicação segundo os temperamentos; assim, do chefe ardente dos montes de Hermes ao Ícaro-aviador pelos céus do empíreo, e do nauta de Argos ao lavrador, o povo português foi construindo o seu império, base de sustentação do templo predito pela parenética da história futura, e que pode ser resumido pela prece celta:

Muita paz para ti

Das ondas pacíficas do oceano

Muita paz para ti

Do ar subtil que te cerca

Muita paz para ti

Da calma profunda da terra

Muita paz para ti

Da radiação apolínea das estrelas

Paz profunda para ti

Do filho da paz.