2006-06-10

meandros da história pátria

Há uma história oculta, e ocultada de Portugal, afirmam os novos historiadores (de António Telmo a Lima de Freitas e a S. Franclim, todos vão «ler» à mesma fonte, Dalila Lello), e penso que ninguém duvidará disso. António Telmo, nos passos de Pessoa, postula que «houve entre nós, senão connosco, uma organização esotérica que, de uma maneira perfeitamente consciente e intencional, procurou através desta pátria, a que deu existência, redimir o mundo do mal e da divisão»; o que seja esta organização secreta, esotérica, não nos é dado revelar, sabendo-se contudo que Camões conhecia de cor a fabulosa história dos cavaleiros das albergarias medievais; foi bebê-la pois à lusa cidade de Atenas, por onde deambulou, tal como o já tinham feito o prior Teotónio, o doutor da igreja de Lisboa (santo em Pádua), e o taumaturgo que foi estudar a arte de curar para terras de S. Bernardo.

O estudo dessa história, portanto, revela-se da maior importância para a consciência nacional, já que como diz o sábio Leite de Vasconcelos «quanto mais intenso for o conhecimento da História, tanto mais firme será a consciência da nacionalidade»; no entanto, ela deve concordare cum originali, i.e., deve-se fazer o cotejo com o texto oficial para atestar a sua exactidão e não uma qualquer hipótese de trabalho empírico de escavação ou de metodologia científica. Porque do Cronos de Dalila, do Tubal de Vieira, do Encoberto de Bandarra, os sinais encontram-se onde o neófito os souber interpretar, na exegese fria da pedra rectificada pelo esquadro de Boitaca e o compasso da confraria operativa que ergueu os templos pelo reino da terra ignota dos alquimistas, que transmutaram a energia mística de Viriato na luz columbina do «divino», do templo dos cinco corvos vicentinos.

Sabe-se que Afonso Henriques, a quem S. Teotónio havia dado o batismo, e um outro Bernardo, o venerável bispo de Coimbra, estiveram na génese da, dada «por impulso divino», construção de um convento junto aos banhos reais da cidade, capital à altura dos Montes Hermínios e do mito de Ulisses; a pomba de que se fala na Bíblia era (e é) abundante na Lusa Atenas e sua luz irradiará mais longe quando o prior da Igreja de Santiago, Honório, o presbítero, é interceptado pela moirama, e o rei manda dar assento à pedra que irá ser a morada do mártir do promontório sagrado, o senhor de hugin e munin, ou talvez de um tempo já passado pelo fio da memória do futuro brilhante a que estava fadada a cidade da luz, boa e majestática, imperial, abençoada pela columbina de Teseu e pelo espírito divino de Teotónio. Branco e negro, trevas e luz, alfa e ómega do dilema do sujeito/objecto/sujeito e das ideologias. Por isso a capital tem (ainda) por cores o preto e branco do tabuleiro das justas medievais… Porque no tempo da fundação da nacionalidade Lisboa é Ulixbona, reminiscência de Ulisses velada pela cabala poética dos doze cavaleiros dos corvos, mensageiros da paz de Teseu na demanda da Agarta, do túmulo do Batista ou da pedra de Belém com seus símbolos falantes. A chamada luz europeia foi apenas uma blague dos tempos, um curto-circuito à mente da civilização tradicional, com a repercussão que ainda hoje sentimos em todos os domínios: social, tecnocrático e ideológico das elites que perderam o fio da história dos mitos que transmitem através da vox populi, a mensagem de Portugal e a sua história do futuro.

Por isso, é preciso estar alerta para o discurso académico e elitista, que se encarrega de «impor regras fixas, não importando se ilógicas, porque a história profana sempre foi o pálido reflexo da História Iniciática de Portugal, ou de qualquer outro país». (Excalibur, Revista de Esoterismo, nº3, Set-Out, 1984, p. 32).

Portugal nasce, assim, sob o signo da filosofia hermética. Os números 5 e 7 têm nas nossas armas uma presença e uma simbologia muito profundas; sete castelos, que significam, não unicamente as sete fortalezas históricas, mas também «representam os sete centros vitais da psicofisiologia indiana» (os sete chacras), os sete planetas-metais da tradição hermética, etc.; por seu lado, o 5 (das cinco quinas) representa as cinco chagas de Cristo da doutrina cristã, a quintessência do hermetismo e o Pentagrama cabalístico da filosofia pitagórica – o símbolo do Homem, incarnado metafórica e tradicionalmente no quinto arcano do tarô.

Numa das notas de António Telmo, a partir do horóscopo traçado por Pessoa, é chamada a atenção para uma mutação na orientação do país entre 1980 e 1990, que se realizou com a adesão à então CEE, hoje a modernizada União Europeia. Telmo recorre à gramática cabalística e desmascara o «eufemismo» da palavra adesão.

Independentemente da versatilidade arquetípica e intelectual que possa ter a marcação de um período histórico (quando não se conhece a doutrina indiana dos yugas), estamos na época de Kali, o que filtrado pelo crivo da alma lusitana (e ocidental) corresponde ao quarto ciclo, o último antes do advento do Encoberto (segundo outras lendas) ou da realização do sonho dos poetas-filósofos nacionais (a «quarta descida aos ‘Infernos’, onde António Telmo continua a traçar o perfil da dissolução moral e a chamar a atenção para o perigo do Estrangeiro, pois «a perda de independência vai-se sentindo aos poucos e vai tendo a sua expressão no social, como os casos de pedofilia que têm vindo a público demonstram»...

Quanto ao renascimento das cinzas da descensus ad inferos (ou Averni, se preferirem) do fado nacional (e do destino dos vários povos), Telmo responde que «há entre uma fase e a outra de renovação um hiato, um vazio que se faz, um nada que se faz, que é completamente tremendo. A partir daí é que pode surgir uma nova renovação. Não acredito que na continuidade do que está possa haver qualquer coisa de novo...», prosseguindo enigmaticamente a descrever o destino da nação lusíada, já que quando atingido o vazio se há-de seguir algo, pois «toda a transição tem um momento como se nada existisse». (História Secreta de Portugal).

Um outro ilustre historiador da nekia espiritual, Eduardo Amarante, afirma que «os testemunhos são claros: a verdadeira História de Portugal passa pelo conhecimento da sua tradição esotérica», que diz ter sido «legada pelos Templários» e mais tarde «propagada no Mundo pela Ordem de Cristo» (Portugal Simbólico), esse reino filho espiritual do abade de Claraval (Lima de Freitas, Porto do Graal), que um dia enviou ao Encoberto da Lusa Atenas o báculo esotérico do poder real, da autoridade, da dignidade e do poder mágico da peregrinação, um símbolo solar e axial na construção da futura nação lusíada e do continente de Europa. S. Teotónio foi o espírito subido que iluminou o caminho ao amigo, mesmo nos momentos mais difíceis da jornada, de Santarém a Ourique. Os templários foram os construtores de Portugal, cuja arquitectura ia sendo erguida pelas mentes dos doze levitas da crónica longa das cavalarias…Os templários representam o surgimento, mais tarde, da reflexão maquiavélica sobre o poder in terra e no mar da elite que detém os valores que a sociedade lhe exige como defesa da moral pública. É, portanto, um capítulo da história social e económica da Europa que retrata os cavaleiros que construíram as maravilhas da nação e teceram as lendas do rei que há-de vir um dia tomar posse do Império encoberto da mente de cada um/a e da alma nacional, colectiva.

Como bem nota Lima de Freitas, Nietzsche escreve (1876), numa releitura «super-humana», para além das ideologias, que «o que a história ensina é na realidade o contrário daquilo que o espírito histórico nela projecta, não uma progressão cada vez mais consciente do homem, mas o regresso ininterrupto das mesmas disposições que jamais se esgotaram ao longo das sucessivas gerações». (Porto do Graal, p. 89) Já a perspectiva evolucionista da história nacional vê no corpo a âncora dos males vindouros de falsas profecias, enovelada pelo mistério do espírito que agita as mentes (move montanhas) e os povos – uma reacção causa-efeito de um karma junguiano, inconsciente e passivo perante o desenrolar do fio de Ariana da Tradição lusíada. É uma perspectiva, portanto, que não traz nada de novo, para além de uma rudimentar noção psicossomática, reduzida ao fatalismo de um nobre cavaleiro encoberto pelas brumas de um qualquer bairro latino a velar (a carpir) o império desfeito pelo anátema da censura inquisitiva da mente estrangeira. A verdadeira história, essa aranha que tece as malhas do Império, é a lei do sigilo do Adepto apostado no renascimento da Fénix lusíada – transformada de Encoberto em Desejada, de Império de Talo (taurus) no mito do V Império.

História é lenda e mito, criada pelos Encobertos da mística nacional com seus símbolos e profecias. Aos historiadores actuais da academia falta-lhes o insight da mensagem de Ourique e/ou a cabala dos corvos de S. Vicente para poderem «resolver» o labirinto do mistério que envolve a alma lusa, o espírito do povo que, a partir do promontório sacro, irá levar essa mensagem encoberta aos confins do Império do santo Espírito numa nekia a que só os eleitos têm acesso. Sete efebos e sete donzelas, nem mais nem menos, é o grupo do qual irá fazer parte o herói do périplo labiríntico pelos mares da memória mítica do povo de Noé. Numa releitura simbólica de Tróia, Teseu é Ulisses, e é também Hércules, cultuado no promontorium sacrum da demanda da Jerusalém Celeste, da gesta de povo pacífico e fraternal à cata do Preste João de todas as Escrituras; o culto no centro sagrado da procura interminável da paz. O labirinto é o país, sem rei nem roque, à deriva pelas marés da Europa raptada à sua pureza original de força telúrica, e vendida à ideologia estrangeira, que desconhece a verdadeira história (malhas que o império tece) do povo que foi eleito para prosseguir o processo civilizacional começado pelos helénicos, mas que já vinha do Egipto e mais além.

Rainer Daehnhardt diz, e diz bem, que «não existe povo mais bem preparado do que o povo português para encontrar soluções para a convivência pacífica de homens de raças, cores, credos e origens diferentes». (Portugal Cristianíssimo. Corroios: Zéfiro, 2005. ISBN 972-8958-01-3, p. 51). Ora o convívio gera comunicação e comunhão e, analogamente aos marinheiros que «já» sabiam árabe quando visitaram o reino do Preste João, também hoje é necessário voltar a falar a língua das aves dos escudos da pátria lusitana, essa língua que irá ser, a nível internacional, a gaia ciência do vate encoberto – para mais uma vez o povo lusíada se libertar do jugo estrangeiro e alcançar a Paz profetizada pelo Arcanjo. Aliás, a temática da paz é querida entre os portugueses, pois como conta Barbosa Machado (Bibliotheca Lusitana), no séc. XV houve um frade português (conhecido por Amadeu, João de Menezes da Silva) que fundou em Itália o «Convento da Paz», o primeiro de muitos da Congregação dos Amadeus. Portugal geograficamente divide-se entre Norte/Sul e Litoral/Interior, onde giram as elites e as marcas nos brasões das terras históricas por onde passaram os cavaleiros das albergarias e os peregrinos que erram pelo labirinto da riqueza material e do bem-estar social do marketing ideológico.

Luta a travar na Grande Guerra Santa contra o século de qualquer ideologia, «a paz é um dos principais sinais da vinda do Messias», segundo a profecia da parenética vieirina (Obras Escolhidas, IX, p. 198), enquanto para Sampaio Bruno o último tempo, o Quinto Império, é o reino em que «em todo o mundo a paz será» (O Encoberto).

Ora, paz, é precisamente um dos quatro pilares (PAX, LVX, REX, LEX) da mansão filosófica, o templo afonsino – a nação lusíada –, elementos da grande obra de onde irá ser extraída a quinta-essência dos Impérios. Tal como refere Manuel Gandra, ao observar a concordância apocalíptica do nosso destino, o futuro «traz a Portugal a sagração pela PAX a qual, numa acepção plena, é um dos atributos fundamentais dos centros espirituais estabelecidos no mundo (in terra)». (Dicionário do Milénio Lusíada, I). E mais à frente, ao falar dos atributos do rei-sacerdote Melquisedeque, foca a passagem simbólica dessas qualidades para o nosso arcanjo padroeiro, S. Miguel, portador da balança da justiça (que aplica a lei) e da espada, que tanto tira como dá a vida.

Numa mensagem que ainda pouca gente percebeu (iludida que anda pelo marketing das elites simbólicas do pós-modernismo das ideologias), Coimbra é precisamente a cidade-símbolo da paz: a pomba columbina do Santo Espírito, de onde irá irradiar a «energia positiva» (como outrora levou as relíquias do mártir, do promontório à cidade da luz), oclusa durante séculos, até aos confins da aldeia global, e mais além, nesta nova demanda do império espiritual, tal como escrito na capela joanina: EMITTE LVCEM TVAM ET VERITATEM TVAM. Luz, verdade; paz, lei, no reino prometido pelos nossos egrégios antepassados, de Cronos ao Encoberto, pois como proclama o fatícano Vieira, o nosso mito será (re)escrito pela civilização na história do futuro. Exaltar o mito, assim, deve ser a nossa mensagem – no aqui e agora do «é a hora!» de afastar o nevoeiro…